- 27/10/2021
- Posted by: Fausto Sette Câmara
- Category: Direito do Trabalho

Contribuições previdenciárias devidas serão milionárias
Os conselheiros da 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) mantiveram os lançamentos exigindo contribuição previdenciária em processos nos quais a Fazenda entendeu que contratos com pessoas jurídicas (PJ) encobriam uma relação de vínculo empregatício. Os processos têm como partes a Globo Comunicação e Participações S/A e a Fazenda Nacional e se referem a contratos de artistas.
O placar ficou em cinco a três para manter a cobrança. Prevaleceu a tese de que houve simulação, dolo ou fraude, o que autoriza a aplicação do prazo decadencial do artigo 173 do Código Tributário Nacional (CTN).
O caso chegou ao CARF após autuação da Receita por não recolhimento da contribuição em contratos com pessoas jurídicas constituídas por Luiz Fernando Guimarães; Elizabeth Savalla; Giulia Gam; Cristiana Oliveira; Marco Nanini; Ney Latorraca; Nathalia Timberg; Guilherme Karam; Hugo Carvana; Nair Bello; Yoná Magalhães e Agildo Ribeiro.
O relator do processo 12259.000191/2009-11, Maurício Riguetti, votou para negar provimento ao recurso do contribuinte, enquanto João Victor Ribeiro Aldinucci, relator do processo 12259.000192/2009-58, votou por dar provimento.
Para Riguetti, não há dúvida de que os contratos se prestaram a dissimular atividade empregatícia e é de notório conhecimento que as diversas contratações garantiram à recorrente substancial economia tributária. A tese ementada afastou, por completo, qualquer invasão de competência da Justiça Laboral:
DA INVASÃO DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. A Fiscalização para exercer seu mister pode e deve examinar quaisquer livros, mercadorias, arquivos, documentos, etc., sendo inaplicáveis quaisquer meios que não permitam esses exames. E, nesse sentido o artigo 195, caput, do CTN determina que, para os efeitos da legislação tributária, não têm aplicação quaisquer disposições legais excludentes ou limitativas do direito de examinar mercadorias, livros, arquivos, documentos, papéis e efeitos comerciais ou fiscais dos comerciantes, industriais ou produtores, ou da obrigação destes de exibi-los.
Os livros obrigatórios de escrituração comercial e fiscal e os comprovantes dos lançamentos neles efetuados serão conservados até que ocorra a prescrição dos créditos tributários decorrentes das operações a que se refiram (artigo 195, parágrafo único, do CTN). Também, é dever da fiscalização desconsiderar qualquer documento que deixe evidenciado a utilização de fraude, dolo ou simulação. No caso em tela a Recorrente simulou várias pessoas jurídicas para esconder a relação empregatícia. Não podemos esquecer que estas pessoas jurídicas exerciam atividade fim e não meio, configurando a relação trabalhista.
O caso é exemplificativo de longa controvérsia no Direito Brasileiro: o fenômeno da Pejotização. Via de regra, ocorre quando uma pessoa, que poderia ser enquadrada como empregado, tem seus serviços tomados como prestador PJ, afastando inicialmente a caracterização do vínculo com repercussões trabalhistas e tributárias.
Do ponto de vista laboral, a PJ passa a prestar serviços sem subordinação, com mais liberdade e, geralmente, com rendimentos líquidos maiores, por não se enquadrar como CLT. Geralmente, os direitos laborais reflexos (FGTS, 13º, etc.) são absorvidos pela remuneração, fornecendo maiores ganhos ao profissional.
Do ponto de vista fiscal, para a empresa não há a incidência de contribuições previdenciárias, o que geralmente reflete cerca de 27% da folha de salários (INSS + terceiros). Eventual passivo também não é criado, pois a empresa não precisa fazer provisões de acertos futuros (FGTS + multa) e elimina questões incidentais da relação laboral que tornam oneroso o controle (h.extras, p.ex).
Mas o fenômeno tem reflexos também nas duas searas: se a Fazenda em fiscalização constata eventual fraude, lançará os tributos como no caso Globo; se o empregado ajuizar um Reclamatória, pode também ver reconhecido o vínculo, sendo que no Direito do Trabalho, hoje, não existe consenso sobre o fenômeno, especialmente à luz do quesito subordinação.
Nestes casos, como se sabe, para que exista relação de emprego 5 requisitos são necessários: trabalho com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade, alteridade e subordinação. E é a subordinação o principal problema encontrado. A doutrina clássica de Orlando Gomes e Élson Gottschakl, a partir dos autores italianos Cassi e Savino, descrevem a subordinação jurídica:
“A atividade do empregado consistiria em se deixar guiar e dirigir, de modo que suas energias convoladas no contrato, quase sempre indeterminadamente, sejam conduzidas, caso por caso, segundo os fins desejados pelo empregador. Tanto o poder de comando seria como ao de direção do empregador corresponde o dever específico do empregado de obedecer.”
GOMES, Orlando, GOTTSCHALK, Élson. Curso de direito do trabalho. 17. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005.
Mas a jurisprudência brasileira evoluiu, chegando, por tese do Min. Mauricio Godinho Delgado, do TST, a criar a figura da subordinação estrutural, também denominada de integrativa, que tem por base a definição da atividade desempenhada pelo trabalhador como sendo essencial ao funcionamento estrutural e organizacional do empregador. Ou seja, se o empregado exerce função que faça parte inafastável da atividade fim da empresa e a ela estaria “estruturada”, subordinado ele estará.
Por esta tese, todas as relações de prestação de serviços, seriam subordinadas, à exceção dos contratos tipicamente de terceirização (desempenhados por empregados de empresas terceiras).
O risco, como se vê, é enorme, e num cenário em que a Justiça do Trabalho reage à Reforma Trabalhista, como se viu p.ex. com o STF declarando inconstitucional diversos de seus artigos (ADI 5.766 (1)), as empresas e prestadores de serviços devem ter cautela e cuidado, revisar seus contratos e adequar, o quanto possível, a prestação de seus serviços à Lei, evitando-se, assim, eventuais declarações de fraude pela autoridade fiscal ou laboral.
Um cuidado relevante que as empresas devem ter é com a figura do PJ: profissionais que organizam suas pessoas jurídicas nem sempre tem a melhor orientação e, não raro, na busca por economia de tributos do lado do prestador de serviços, há enquadramento incorreto no Simples Nacional e até simulação de atividades econômicas não aderentes ao futuro contrato de prestação de serviços para melhor enquadramento dos Anexos da LC 123.
Se você tem dúvidas sobre pejotização, terceirização e contratação de profissionais em vínculos civis, procure o Escritório!