- 21/10/2021
- Posted by: Fausto Sette Câmara
- Category: Direito Civil

Marianna Keller Lima Coelho [1]
A evolução dos meios de comunicação, bem como a inserção do meio nos paradigmas da sociedade da informação são fatos notórios. Em um panorama geral, as relações sociais foram transformadas profundamente pela tecnologia, ao passo que muitas das transações migraram para o meio digital, inclusive os simples atos de ligar e se comunicar.
A plataforma de mensagens whatsaspp surgiu como meio para democratizar as trocas cotidianas do dia a dia e viabilizar negócios, transações comerciais, trocas de informações e fortalecimento de vínculos sociais/familiares. A distância entre dois ou mais indivíduos é de apenas um clique. Grande popularidade da plataforma se consolida na oportunidade de aglutinar amigos, familiares ou colegas para trocas de assuntos ou debates.
Assim, no Recurso Especial de n. 1903273-PR (2020/0284879-7) de relatoria da Ministra Nancy Andrighi discute-se se a “divulgação pública de mensagens trocadas via Whatsapp caracteriza ato ilícito apto a ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da publicização”.
A síntese do caso em comento foi sobre a apuração do dever de indenizar em razão da divulgação não autorizada ao público de mensagens originadas de grupo correlacionado a gestão de clube de futebol. Como danos diretos da divulgação, o prejudicado teve de deixar o cargo de gestão que ocupava e requereu a condenação em danos morais.
No transcurso do voto, a Relatora traz como base de fundamentação garantias constitucionais, os mecanismos de segurança adotados pelo aplicativo, o ônus da prova da ligação entre os envolvidos, bem como faz apontamentos sobre os níveis de esferas de privacidade e tece considerações sobre a ilicitude da divulgação do conteúdo das mensagens.
Em primeiro plano, destaca-se a inviolabilidade das comunicações telefônicas e a característica de sigilo dos itens mencionados. Ademais, a confidencialidade das comunicações se sustenta na preservação do direito à intimidade e à privacidade elencados na constituição, tendo em vista que, no caso em tela, a tutela incide tanto sobre as mensagens eletrônicas e também sobre as ligações. Derradeiramente, há necessidade de comprovação da divulgação indevida do conteúdo em prejuízo de quem procura o judiciário.
Ato contínuo, outro fator primordial no resguardo dos interesses dos usuários ocorre com a adoção da criptografia como fonte de segurança para fortalecer a privacidade dos usuários e proteger a conversa de ponta a ponta. Neste diapasão, demonstra-se que terceiros não conseguem acessar o conteúdo das interações, ao passo que elas são protegidas e só acessíveis pelo emitente ou destinatário, onde se exibe uma legítima expectativa de privacidade e sigilo sobre o conteúdo enviado.
No que concerne a teoria das esferas, denota-se que a divulgação inadequada das mensagens privadas tenciona a esfera confidencial do ser (informações expostas apenas para terceiros de confiança) em contraposição com o princípio da liberdade de informação, entendido como prerrogativa de comunicar fatos livremente e deles ser informado. Desta maneira, a privacidade sobressai e não se mostra justificável a exibição de conteúdo com fim estrito de denegrir a dignidade de alguém.
“Na década de 1950, dois juristas (Heinrich Hubmann e Heinrick Henkel) adotaram a Teoria dos Círculos Concêntricos para diferenciar esfera pública da privada, que tomou repercussão pelos brasileiros Flávio Tartuce, Paulo José da Costa Junior e Pablo Stolze Gagliano.
A teoria das esferas da personalidade configura a existência de três círculos abstratos, em que conceitua-se que a circunferência mais externa é a da privacidade, de maior amplitude, uma primeira análise das relações, como a imagem, costumes e hábitos. A circunferência intermediária é a da intimidade, onde há o sigilo e restrições de informações pessoais, como família, amigos e trabalho. Por fim, a circunferência mais oculta é a do segredo, em que somente em algumas ocasiões são reveladas, como religião, filosofias e opções sexuais.”
SOUZA, Gabriel Vinicius et. al. Direito à privacidade em meio à sociedade da informação.
A expectativa de privacidade é baliza fundamental para investigação da possível ilicitude na divulgação do conteúdo, pois o usuário ao optar por direcionar à comunicação para pessoa certa e determinada, ao revés de expor o conteúdo para uma coletividade irrestrita de pessoas em sites de grande circulação, confia que o assunto/opinião/colocação proferida estará protegida. A frustração da expectativa de privacidade do emissor e os malefícios experimentados pela divulgação inesperada geram o dever de indenizar, como explica a Ministra Nancy Andrighi em seu voto:
“é certo que ao enviar mensagem a determinado ou determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas. De mais a mais, se a sua intenção fosse levar ao conhecimento de diversas pessoas o conteúdo da mensagem, decerto teria optado por uma rede social menos restrita ou mesmo repassado a informação à mídia para fosse divulgada” [2]
Tão logo, analisa-se que a responsabilidade civil será configurada na presença da conduta lesiva, nexo de causalidade (ligação entre a ação e o resultado prático) e o dano para ofendido. Os danos podem ter natureza diversa tais como danos materiais, morais, lucros cessantes e outros.
Em caráter de exceção, a ilicitude poderá ser afastada quando a divulgação de mensangens/conteúdo servirem para a defesa de um direito do receptor, mas a circunstância será observada singularmente em cada caso concreto pelo magistrado.
Nesta linha de intelecção, aconselha-se a preservação das comunicações privadas (mensagens enviadas a destinatários determinados) entre indivíduos nos mais diversos contextos, sob pena de ferir a honra ou privacidade de um terceiro, bem como condenação do dever de indenizar . Noutra ponta, a preservação pode ser flexibilizada mediante o consentimento expresso do(s) outro(s) interlocutor(es) para divulgação do conteúdo, por meio de autorização judicial ou defesa de um direito próprio, o que deve ser orientado por um advogado.
[1] Advogada associada na Sette Câmara & Brandão. Pós-Graduanda em Direito Civil pela PUC/Minas e Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC. E-mail: mariannakeller.adv@gmail.com
² (REsp 1903273/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 24/08/2021, DJe 30/08/2021)