A Fixação da Guarda Compartilhada Para Pais Com Domicílios em Cidades Distintas

Marianna Keller Lima Coelho¹

No contexto do direito das famílias, muitas nuances envolvem os processos atinentes a guarda dos filhos, principalmente aqueles ocorridos após a dissolução dos vínculos conjugais.  Há embate sobre a forma de condução da criação dos descendentes, ao passo que as animosidades, trazidas pela ruptura afetiva, causam muitas incertezas no exercício do poder familiar.

A ótica do Direito das Famílias prioriza a proteção do menores envolvidos, ao passo que o princípio da proteção integral da criança sobressai ao querer dos pais, visto que o intuito é trazer para o infante todas as salvaguardas concedidas aos adultos acrescidos da indisponibilidade de seus direitos e dignidade. O melhor é buscado para propiciar um ambiente apto ao desenvolvimento sadio, transpondo-se os conflitos privados, brigas ou adversidades dos pais.

O Recurso Especial nº 1.878.041/SP, relatado pela Ministra Nancy Andrighi, enfrentou controvérsias sobre: (i) obrigatoriedade da fixação da guarda compartilhada e diferença da guarda alternada , (ii) o consenso entre os pais é necessário para a sua implantação e (iii) se a modalidade pode ser implantada quando os genitores moram em locais distintos.

Nas primeiras linhas, frisa-se que o exercício da guarda compartilhada consiste no préstimo permanente de assistência educacional, material e moral em conjunto pelos progenitores. No contexto social, houve uma significativa evolução do papéis sociais pelo primado da igualdade de gênero, momento em que a responsabilidade de criar os filhos não pode, e nem deve, ser atribuída somente à mãe e a dificuldade de transposição das questões pessoais não pode ser transferida aos filhos. Estas questões devem ser superadas entre o ex-casal e sem ônus para os filhos.

O exercício da guarda compartilhada não tem forma específica e pode ser moldada pela fixação do regime de convivência/visitas, definição da cidade base do menor e adequação das demais regras/direitos e deveres sob a observância de acordos/pareceres profissionais ou pela fixação judicial. Assim, alude-se que a definição da espécie compartilhada aspira preservar o laço do filho com seus pais, bem como lhe possibilitar o desenvolvimento pessoal e afetivo com regularidade e tranquilidade de forma prioritaria, prescindindo-se de consenso entre os ascendentes sobre a modalidade de tutela.

No entendimento do Colendo Superior Tribunal de Justiça, a guarda compartilhada será fixada sempre que os pais forem aptos e se algum deles desejar exercê-la. Em caráter de exceção, as únicas hipóteses em que a modalidade será preterida ocorrerá pela ausência de interesse por um dos genitores ou pela perda/suspensão do poder familiar, vide:

4- Apenas duas condições podem impedir a aplicação obrigatória da guarda compartilhada, a saber: a) a inexistência de interesse de um dos cônjuges; e b) a incapacidade de um dos genitores de exercer o poder familiar.

5- Os únicos mecanismos admitidos em lei para se afastar a imposição da guarda compartilhada são a suspensão ou a perda do poder familiar, situações que evidenciam a absoluta inaptidão para o exercício da guarda e que exigem, pela relevância da posição jurídica atingida, prévia decretação judicial. ²

No tocante sobre a possibilidade de fixação da guarda compartilhada com pais domiciliados em cidades distintas, o STJ se posiciona favoravelmente sobre sua possibilidade. Em suas razões, a i. Relatora argumenta que o compartilhamento da guarda se dá no exercício conjunto dos direitos/deveres na criação dos filhos, não se confundindo com a custódia física /divisão de tempo igualitária de convivência entre eles.

Destaca também que o uso de aplicativos ou a implantação da tecnologia no cotidiano familiar permite que os genitores participem ativamente da vida de seus filhos, assim como o próprio Código Civil prevê, no artigo 1.583,  a possibilidade da distinção da localidade dos pais, posto que a base da moradia será a localidade que melhor atender ao interesse dos filhos :

31. Portanto, não existe qualquer óbice à fixação da guarda compartilhada na hipótese em que os genitores residem em cidades, estados, ou, até mesmo, países diferentes, máxime tendo em vista que, com o avanço tecnológico, é plenamente possível que, à distância, os pais compartilhem a responsabilidade sobre a prole, participando ativamente das decisões acerca da vida dos filhos.

32. A possibilidade de os genitores possuírem domicílios em cidades distintas infere-se da própria previsão contida no § 3 º do art. 1.583 do CC/2002, segundo o qual “na guarda compartilhada, a cidade considerada base de moradia dos filhos será aquela que melhor atender aos interesses dos filhos” ³

Por fim, compreende-se que o exercício da guarda compartilhada traz uma série de benefícios para a vida dos envolvidos, por vez que prestigia a igualdade de gênero e  a continuidade das relações familiares, as palavras do Colendo STJ, em remissão às colocações do brilhante Jurista Paulo Lobo:

35. Deve-se ter em vista, nesse contexto, que a guarda compartilhada traz uma série de vantagens que merecem ser consideradas e que justificam a sua adoção mesmo nas hipóteses em que os domicílios dos genitores não sejam próximos, a saber: a) prioriza o superior interesse da criança e do adolescente; b) prestigia o poder familiar em sua extensão e igualdade de gênero; c) garante a continuidade das relações da criança com os pais; d) respeita a família enquanto sistema, maior do que a soma das partes, que não se dissolve mas se transforma; e) diminui as disputas passionais; etc (Cf. LÔBO, Paulo. Direito civil: famílias. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 201)  4

Nesta linha de intelecção, aponta-se que a opção legislativa da guarda compartilhada é positiva, tendo em vista que guarnece os vínculos familiares e sustenta prerrogativas para o desenvolvimento saudável da relação em questão.

¹ Advogada associada na Sette Câmara & Brandão. Especialista em Direito Civil pela PUC/Minas e Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC. E-mail: mariannakeller.adv@gmail.com

2, 3 e 4: (STJ; REsp 1878041/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/05/2021, DJe 31/05/2021)